São eles que temo mais que tudo. Essa massa de gente que se arrasta. Esse bloco cinzento de mentes vazias e corações ocos; essas criaturas sem alma que vagueiam pela vida, palmilhando os caminhos gastos da banalidade.
São como ratos de esgoto, sujos e falsos, vivendo no submundo da futilidade, escondendo os seus focinhos podres atrás de máscaras polidas de sorrisos e conversas materialistas e simples, onde todos se encaixam na perfeição e, por isso, os fazem sentir-se felizes consigo mesmos.
Seguem todos o mesmo caminho, caminhando em linha recta numa procissão desprezível, temendo os desvios e os atalhos, que escondem o temido desconhecido.
O desconhecido. Esse negrume que temem acima de tudo, pois é o único lugar onde as máscaras não funcionam e os erros espreitam atrás de cada esquina á espera de uma oportunidade para os fazer cair e ser esmagados pela multidão que passa, movida a orgulho e não a compaixão, não parando por nada nem por ninguém.
Todos os dias a multidão aumenta. A cada instante mais uma alma é sugada pela força brutal da futilidade, mais um ser perde a sua essência em troca de uma máscara brilhante e um disfarce infalível (ou quase). Uns fazem-nos por serem fracos demais para resistir a esta força titânica e se deixam embarcar iludidos. Outros seguem promessas de uma vida de fama e poder, que conseguem vendendo a sua originalidade, em troca de aceitação num grupo onde todas as caras são iguais. Outros ainda procuram um refúgio para eles próprios; um jardim escondido onde se possam esconder da sua dor; uma máscara que lhes esconda as lágrimas, quando é impossível não as verter; um disfarce para que se possam olhar de novo no espelho; uma armadura infalível que os proteja de quaisquer sentimentos.
Desprezo-os a todos mais que tudo, mas acima de tudo tenho pena. Penas destas pobres criaturas que nunca irão conhecer o azul do Céu, simplesmente porque não se permitem a levantar o olhar mais alto, que nunca irão sentir o calor do sol, pois vivem demasiado centrados neles próprios para que a luz lhes toque. Tenho pena pois nunca saberão o calor de um abraço amigo ou a força de um simples olhar; nunca sentirão a amargura da tristeza pura, nem o brilho incandescente da verdadeira alegria (aquela que é esperada e merecida), muito menos a marca do amor verdadeiro, que nos fere como ferro em brasa, deixando para sempre a sua cunha no coração.
Mas também, como poderiam eles soltar-se se estão anestesiados com o próprio medo? Medo de errar, de sentir, de se enfrentar?
Espero ansiosamente pelo dia em que um deles sinta a falta do céu, da luz, do sentir e olhe para dentro de si mesmo, se enfrente com tudo o que tem de bom e de mau e se aceite como é: humano e falível, único e, por isso mesmo, especial. Então, quando o coração estiver reanimado e gritar por sentir, ele poderá elevar os olhos ao céu e, virando as costas ao caminho dos fracos, caminhe contra a multidão. Aos poucos e poucos, sentirá os pulmões respirarem de novo a vida fresca e imprevista, o coração bater com força, ansiando pelo cada instante seguinte, e a alma voar livre pelos caminhos do desejo e da imaginação. Só aí se sentirá elevar nos ares e, num suspiro de alívio, voará por cima de todas essas cabeças ocas, dessa massa disforme e desprezível, chamando com a sua luz, outros que saiba fortes o suficiente para olharem para dentro de si mesmos.
No fundo esta massa não tem saída ou fim. A porta para a liberdade está, tal como a de entrada, dentro do nosso Ser, na nossa mente e no nosso coração. Para a alcançar é só descobri-la e ter coragem suficiente para esticar a mão e rodar a maçaneta. Pode doer, pode parecer escusado, mas no fim vale a pena.
Entretanto eles continuam caminhando. Levando com eles seres inocentes a cada segundo que passa; envenenando a vida de todos com o seu canto maldito.
Leonor Bicker, 2005
segunda-feira, junho 26, 2006
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